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O machismo e a legítima defesa da honra

Publicado por: em 19/03/2021
Categorias: Notícias
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Por Izabel Santos

Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), por unanimidade, derrubaram a tese da “legítima defesa da honra” em casos de feminicídio. O argumento, vergonhoso e machista, enfim, se tornou inconstitucional no Brasil. A decisão é louvável e reforça nossa luta de enfrentamento à violência contra a mulher. Por outro lado, nos convida a refletir sobre o porquê de, em pleno século 21, um tema como este ainda fazer parte do nosso cotidiano.

A tese da legítima defesa da honra foi implementada no Brasil Colônia, como bem disse o Ministro Alexandre de Moraes, mas ainda vigorava graças ao Código Penal Brasileiro, de 1940. Seu artigo 25 diz quebastando que exista uma injusta agressão, e que a pessoa se utilize dos meios necessários e de forma moderada, visando repelir a injusta agressão. Ou seja, é um instrumento legal para legitimar crimes de feminicídio.

E estamos sendo testemunhas desta barbárie. Apenas no primeiro semestre de 2020, 648 mulheres foram assassinadas no Brasil e em 90% dos casos o criminoso é o companheiro ou ex-companheiro. O racismo também perpassa a violência contra a mulher: no ano passado, 66,6% das vítimas de feminicídio eram negras. O percentual indica a maior vulnerabilidade dessa população, já que as negras representam 52,4% da população de mulheres no Brasil. Os dados foram divulgados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e integram o 14º Anuário Brasileiro de Segurança Pública.

A presença deste tema em nossos dias ainda é a expressão explícita do patriarcado e do machismo estruturado na sociedade. Uma sociedade que naturaliza a violência de gênero e desvaloriza a vida das mulheres e das pessoas LGBTs, alvos constantes de agressões e mortes. Uma sociedade em que as mulheres são tidas como inferiores e ainda vistas como propriedade dos homens, pela maioria dos “cidadãos de bem”.

Mesmo com toda a luta do movimento de mulheres e movimento feminista, falta uma longa estrada para que possamos comemorar. Mas já temos conquistas, como a Lei 11.340/2006, a chamada Lei Maria da Penha, e a Lei 13.104/2015, conhecida como Lei do Feminicídio, que tipifica o crime como hediondo, e temos as iniciativas de organizações de mulheres que se desdobram para dar enfrentamento à violência de gênero.

No âmbito do Estado, preconizado pela Lei Maria da Penha, conquistamos alguns equipamentos que estruturam uma rede de enfrentamento à violência contra a mulher: centros de referências, delegacias de mulheres, casas de abrigamento, secretarias e coordenadorias de mulheres, varas especializadas de violência doméstica. Todos estes serviços são frutos da luta do movimento de mulheres e movimento feminista, incansáveis na busca por justiça, igualdade de direitos e um mundo sem violência. No entanto, esta estrutura é desigual. Nem todos os municípios priorizam a política da mulher e boa parte das mulheres não têm acesso a tais serviços.

Nessa trajetória de luta para enfrentarmos a violência contra a mulher não posso deixar de destacar o papel do Centro das Mulheres do Cabo (CMC), pioneiro no município no acolhimento às mulheres em situação de violência. Primeira entidade a acionar a Lei Maria da Penha, quando ela entrou em vigor, para salvar a vida de Cileide Cristina, que sofria violência durante anos, de seu marido. A ação foi realizada por meio da advogada Lucidalva Nascimento, que na época integrava a equipe do CMC.

Outra ação relevante em defesa das mulheres foi a criação do Comitê de Monitoramento da Violência e do Feminicídio no Território Estratégico de Suape (COMFEM), em 2015. Este, uma articulação de gestoras de políticas públicas e organizações de mulheres de oito cidades: Jaboatão dos Guararapes, Cabo de Santo Agostinho, Moreno, Ipojuca, Escada, Ribeirão, Sirinhaém e Rio Formoso. O comitê realiza ações coletivas, monitora os dados da violência na região e fortalece os organismos e organizações de mulheres, realizando cursos, oficinas e ações a nível local e regional. Em 2019 o COMFEM, recebeu comenda da Secretaria de Defesa Social (SDS) como entidade que deu apoio ao governo estadual no combate à violência contra a mulher.

Quando analisamos os dados vemos que meninas e mulheres estão sendo diariamente vítimas de violências baseadas em gênero, dentro e fora de casa e principalmente provocadas por pessoas conhecidas e em circunstâncias ainda toleradas socialmente. A nossa cultura naturaliza comportamentos violentos, muitas vezes ficando ocultos no âmbito familiar, e não apoiando as vítimas que sofrem em silêncio.

Diante disso, acreditamos na importância de uma educação não sexista e em políticas públicas que promovam a equidade de gênero e valorizem os direitos humanos, além de investimentos na formação de meninas e mulheres e em equipamentos que possam instrumentalizar a rede de enfrentamento à violência contra a mulher.

*Izabel Santos é filósofa, especialista em Direitos Humanos, faz parte da coordenação do Centro das Mulheres do Cabo e coordena o Comitê de Monitoramento da Violência e do Feminicídio no Território Estratégico de Suape – COMFEM.

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